Televidas
A senhora Fulana tem uma prima que mora em Almada. Ambas conhecem uma senhora que coitada está internada nos hospital dos Capuchos mas a quem a família não liga nenhuma, sobretudo o filho André, que há quinze dias não aparece lá, o que é uma coisa de bradar aos céus. A senhora Fulana está à espera que a Amélia passe por casa dela para buscar a forma de bolos que deixou lá. Só que de momento não está em casa porque teve que ir buscar umas análises.
O senhor Cicrano está a acabar de almoçar mas está furioso porque as coisas não correm bem lá no escritório. Três clientes queixaram-se. O processo da casa do Algueirão está emperrado e é preciso fazer qualquer coisa. Ele estará no escritório por volta das quatro horas, porque antes ainda tem que passar pelo notário por causa da escritura.
Não sei os nomes destas pessoas, mas sei imenso sobre elas. Todo este conhecimento me foi imposto por elas próprias - a mim e a mais não sei quantas pessoas - quando falavam ao telemóvel, em espaços públicos. Falavam alto, querendo manifestamente partilhar todo aquele seu pedaço de vida com os circunstantes.
Apeteceu-me bater-lhes, ou quando muito berrar-lhes que falassem baixo, que fossem falar para outro lado, ou pura e simplesmente que se calassem. Eu não tenho que saber coisas sobre ninguém, e se quiser saber, pergunto. Não tenho que ser incomodado pela vida das outras pessoas. Não têm o direito de ma impor assim à má-fila. A minha privacidade também é violada quando os outros me abrem a deles sem me perguntarem se eu quero. Tenho o direito de não querer saber sequer que elas existem, quanto mais onde moram, com quem dormem e se os pastéis de massa tenra lhes cairam mal.
Falem baixo. Ou então façam um blog. Mas não me chateiem.
7 comentários:
Ai filho, a vida tá sempre a subir, a subir, só os salários é que não sobem e não sei onde é que isto há-de ir parar, o país precisava era de um governo a sério e não destes palhaços que vivem à grande e a gente aqui, coitados, a trabalhar para eles.
E nem o Benfica ganha o campeonato nem o Paulo Bento muda de penteado, isto é uma tristeza de vida.
Mouro do meu coraçon: começa a usar transportes públicos. Em pouco tempo isso vira ruído de fundo e até Tolstoi consegues ler, trust me!
Essa nem parece tua, minha...
Há dias ouvi o Sá Fernandes, aquele advogado das causas cívicas, contar que neste momento a população da Agualva, aqui nos arredores da Grande Alface, está a tentar que não sejam lá colocados postes de alta tensão. Os cabos podem ser enterrados, com grandes vantagens para as pessoas. Mas é muito mais caro. E no respectivo estudo pode ler-se esta passagem fantástica (cito de memória mas o espírito é este): "Haverá protestos da população, mas depois as pessoas acabam por se habituar."
Claro, a gente habitua-se a tudo, não é?
Não, não é. Por mais que ande de metro ou nessas coisas em que o povo anda, não me habituarei. São eles que têm de se habituar a mim, e não eu a eles. Só assim a Civilização andará para a frente.
E mainada!
Ah, e uma precisão: não é o ruído que mais me incomoda, neste caso. É sobretudo o "display" da vida privada das pessoas, a forma descuidada ou mesmo ostensiva com que elas a partilham comigo. NÃO QUERO! Quem assim mostra as próprias cuecas adora ver as do próximo. E quero estar longe dessa gente. Repito: a minha privacidade passa por não me ser imposta a privacidade dos outros.
Essa das cuecas é pra mim???
tu espera aí que eu vou ali pendurar uns soutiens e já te digo umas verdades...
(Mon Dieu, j'ai gaffé...)
Bom, adiante. Pendura lá os coisos. Aproveito para acrescentar que são eles que devem ler o Tolstoi em vez de andarem a falar da vida ao telefone. Por mim, já o li. Agora só leio coisas com bonecos e revistas de gajas nuas.
Deste-me uma ideia para um post: leituras nos transportes públicos. Volto já. Acho.
(porra, tou cá com uma dor nas cruzes, isto hoje tem sido estafante. Mais meia hora de trabalho árduo e alapo-me. Tá prometido.)
Existe um fórum chamado elkukadas, que me pareceu escorreito.
Os foruns, como os blogs, valem pelo que lá está, não é?
Vão lá ver, e digam coisas...
Eu, por acaso, gosto de expor a minha vida ao telemóvel, sobretudo no comboio, de onde é dificil fugir. Só que me farto de inventar coisas, e depois sorrio para quem me ouve, com ar cúmplice, e continuo a falar, olhando para os circunstantes, às vezes até com o tlm desligado e tudo.
Experimentem, é um desvario.
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