quinta-feira, novembro 02, 2006

Flor de tioré

Ainda me vão chamar maluquinho dos supermercados, mas hoje lá regressei a uma grande superfície. Deve chamar-se assim porque está cheia de coisas superficiais.
Por incumbência da parte feminina lá de casa, andei pelas cosméticas em busca de coisas misteriosas, cuja designação constava de uma lista enviada por SMS.
Declaro que, para mim, o mundo da cosmética feminina é mais complicado do que os dialectos antigos do nordeste da China. Eu tinha que comprar uma coisa chamada "serum para pontas espigadas", de que até hoje ignorava a existência e muito menos a utilidade. E também "creme de pentear" de uma determinada marca - eu que julgava que para o efeito bastava um pente ou uma escova. Para me orientar, foi-me indicado que o primeiro vinha num frasquinho de vidro e o segundo numa embalagem rosa.
Quando lá cheguei, havia cremes para tudo menos para pentear, e de serum, nem sinal visível.
Havia cremes para pontas espigadas, outros para pontas bifurcadas, outros para pontas abauladas, outros ainda, acho eu, para pontas simples. E dezenas de frasquinhos de vidro com designações mais ou menos esotéricas.
Suei as estopinhas, entre telefonemas a pedir instruções mais precisas. Foi-me dito, entre outras coisas, que também podia ser uma "máscara". Para o cabelo? Sim, para o cabelo. "E na cara, o que é que vocês põem? Champô?" Levei com uma risada condescendente - acho que mais pela minha incompetência do que pela graçola parva.
Lá me desenrasquei o melhor que pude, ao fim de uns bons vinte minutos – e até este momento ainda não ouvi nenhuma reclamação acerca do que trouxe para casa.
Passei então à secção dos detergentes, onde costumo experimentar o mesmo género de perplexidade: há para aí vinte produtos diferentes para fazer aquilo que dantes se fazia com o chamado sabão-macaco. Há líquidos para limpar a carpete da parte de cima, e outros para limpar a parte de baixo. Há amaciadores para madeira, abrilhantadores para as cortinas, detergentes especiais para limpar maçanetas, champôs para as almofadas verdes e outros para as amarelas. Para as verdes há umas loções especiais, e para os berloques dos cortinados há umas pastilhas que se dissolvem noutro produto. Depois há tecidos para limpar os plásticos, e plásticos para limpar os tecidos.
Decidido a manter a minha sanidade mental, comprei um lava-tudo de marca branca, e acho que vou ser muito feliz com ele.
Ainda fui comprar um gel de banho. Percorri a oferta, atentando nas respectivas composições. Havia um de iogurte. Ou melhor: dois. Uma variante acrescentava mel, e outra, aloé-vera, essa banha-da-cobra pós-moderna que também faz parte da composição da minha lâmina de barbear, sei lá eu bem porquê. Depois entrei num reino encantado de propostas exóticas: havia um que tinha toranja da Florida. Lá a toranja ainda percebo, agora porquê da Florida é que já não sei. E outro tinha nenúfares de Madagáscar. De Madagáscar, santo Deus!
Comprei um que contém flor de tioré do Tahiti. Há anos que procurava um gel de banho com flor do tioré de Tahiti, e finalmente encontrei.
São estas pequenas coisas, afinal, que nos tornam felizes.

5 comentários:

Mazinha disse...

isso não é nada: vai à secção de papel higiénico e ficas parvo... até com aroma de jasmim há! e com loção amaciadora e tudo....

Anónimo disse...

Este blog é espectaculoso. Mais.

Anónimo disse...

Balha-me Deus ... o tempo que vocês perdem nesses locais de perdição!

Há lá coisa melhor do que ir "arrear o calhau" ao monte e limpar o dito cujo a uma folha de penca.

O ambiente agradece e o rabiosque também!

Anónimo disse...

Gosto de ti pela tua capacidade de convocar imagens poéticas.

Anónimo disse...

estragam o texto bom com conversa de xaxa, parece q teem inveja