Fome
Entrou na loja como tantos outros.
Cabisbaixo, mãos nos bolsos, atitude quase servil.
“A senhora desculpe estar a incomodá-la, eu venho pedir porque tenho mesmo necessidade, a senhora não me pode dar alguma coisa? Preciso mesmo de algum dinheiro para comer, tenho fome, senhora.”
São tantos. Quatro, cinco por dia, como poderia dar a todos? “Só posso abrir a caixa com vendas e não tenho dinheiro comigo.” A resposta de sempre, já automática.
“A senhora não me pode dar um pão?” Olho-o com mais atenção. “Você aceita comida?” “Então não aceito? Se a senhora tiver um pão que possa dispensar, agradeço.”
Não costumam querer comida, apenas dinheiro, uma moedinha que seja. Do bolso do blusão espreita um livro de Saramago, um bloco de notas, um lápis e uma esferográfica.
“Você quer mesmo comida?” repito pouco convencida. (Nunca querem comida, só moedinhas, a comida não se troca por droga). “Quero sim”.
Meto num saco um iogurte, uma colher, bolachas e o que apanho a jeito, há qualquer coisa de terrivelmente diferente neste rapaz, não é como os outros que aqui costumam vir.
“muito obrigado, senhora” e sai rapidamente da loja e senta-se no canteiro em frente.
Come o iogurte. A forma como o comeu chocou-me. Com fome. Fome verdadeira, daquela de muitas horas, talvez dias.
Fome como eu nunca tinha visto.
Cabisbaixo, mãos nos bolsos, atitude quase servil.
“A senhora desculpe estar a incomodá-la, eu venho pedir porque tenho mesmo necessidade, a senhora não me pode dar alguma coisa? Preciso mesmo de algum dinheiro para comer, tenho fome, senhora.”
São tantos. Quatro, cinco por dia, como poderia dar a todos? “Só posso abrir a caixa com vendas e não tenho dinheiro comigo.” A resposta de sempre, já automática.
“A senhora não me pode dar um pão?” Olho-o com mais atenção. “Você aceita comida?” “Então não aceito? Se a senhora tiver um pão que possa dispensar, agradeço.”
Não costumam querer comida, apenas dinheiro, uma moedinha que seja. Do bolso do blusão espreita um livro de Saramago, um bloco de notas, um lápis e uma esferográfica.
“Você quer mesmo comida?” repito pouco convencida. (Nunca querem comida, só moedinhas, a comida não se troca por droga). “Quero sim”.
Meto num saco um iogurte, uma colher, bolachas e o que apanho a jeito, há qualquer coisa de terrivelmente diferente neste rapaz, não é como os outros que aqui costumam vir.
“muito obrigado, senhora” e sai rapidamente da loja e senta-se no canteiro em frente.
Come o iogurte. A forma como o comeu chocou-me. Com fome. Fome verdadeira, daquela de muitas horas, talvez dias.
Fome como eu nunca tinha visto.
12 comentários:
Uma verdade que é chocante, nem todos os pedintes querem droga, nem todos querem dinheiro, existem muitos como este! E é preciso muita coragem para pedir comida. Por vezes penso no que os terá levado para a rua, que sorte tão má que carregam!!! :( Infelizmente não podemos ajudar todos, mas é como se costuma dizer "comida não se nega a ninguém"! :)
Moral da história...a uma pessoa esfomeada dés-te um mísero iogurte!!!
por vezes esquecemo-nos da miséria que existe mesmo ao nosso lado, muitos destes novos emigrantes passam por grandes dificuldades, por exemplo.
Não era emigrante, Pedro. Mas tens razão, basta olhar com atenção para ver muita pobreza envergonhada...
E se continuas a meter-te comigo, nem um "mísero iogurte" te dou se vires à minha loja. Mai nada!!
"viera" não vires... raispartam as pressas....
"vieres"... arre!!!!!!!1
Deixo-te nervosa, já reparei :-)
Da próxima vez que precisar de um pijama vou à tua loja e, à falta de esposa, peço-te o teu conselho...
Gajo que é gajo não dorme de pijama... :P
Texto escorreito, como sempre. Marcada sensibilidade, transmite emoções sem arrebiques de estilo, quase sem adjectivos. É visível que a autora ficou muito impressionada com a cena. Como vai sendo rotina, gostei da prosa e do assunto.
Uma perguntita maldosa: era mesmo um livro do Samarago?
Beijoca.
Era sim... que queres tu? há mesmo quem tenha paciência para ler o gajo....
Obrigada pelo elogio, beijoca ctdl
sou um gaijo com friozinho é o que é :-(
Uma das autora deste blog, divulgou-o recentemente aos amigos. Espero que nao se arrependa. Estou a gostar e hei-de voltar. Nao prometo e um discurso politicamente correcto. Estou farto do PC, nao confundir com Partido Comunista. E antes de mais desculpas pela falta de acentos e afins. O meu computador em Londres nao pensa em portugues e eu sou definitivamente um iletrado tecnologico. Mas voltando a fome...je la vai o tempo em que eu era lamechas. Sou, sim senhor, a favor de uma sociedade que cresce solidaria, porque haverao sempre desalinhados sociais. Mas nao posso com os esfomeados que por ai abundam. Salvo se a pessoa for demente ou portadora de alguma deficiencia ou doenca que a impeca de trabalhar, nao ha justificacao para uma pessoa, sobretudo jovem para passar fome. Os agricultores precisam de vindimadores, ha falta de mulheres de limpeza. Estes sao so dois exemplos...Sera preferivel passar fome a vindimar? Aqui fica o desafio.
Miguelito, meu torrãozinho de açúcar.. e eu lá quero que sejas politicamente correcto??? tss tss
Bom, se eu fosse a comover-me com todos os que me pedem dinheiro estava bem lixada...
ps - miss you como o caraças :)
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