Entretanto fui aqui e apetece-me falar sobre isso, subscrevendo muito do que lá é dito.
Em parte, que acontece em Portugal na atitude de muita gente para com os imigrantes é a verificação prática do dito "não sirvas a quem serviu." É, no subconsciente de muita gente, a desforra do bidonville: agora, já somos senhores, já temos quem nos despeje as retretes e apanhe os papéis do chão, já nos podemos vingar de gerações inteiras de cerviz dobrada a servir à mesa dos ricos.
Em muito português médio vive o Atila do Novecento de Bertolucci. É o "complexo do capataz": o que teme e inveja os senhores e despreza os que estão por baixo, servil para os primeiros, tiranete para os segundos, e a verdadeira matéria humana de que se alimentam todos os fascismos. É daí, desse patamar intermédio, que saem os meninos rabinos que são a tropa de choque da ideia mais imbecil da actualidade: a de que somos "brancos e puros" - nós, portugueses, a coisa mais misturada que existe após séculos de senzala, de amor na palhota, de marranice, de pecadilhos, luxúrias e necessidades devolvidas em naus de torna-viagem.
A imigração é, certamente, uma questão crucial. Os "bárbaros" atropelam-se à porta da Europa e infiltram-se, como há 1500 anos, o faziam nessa "Europa" que era Roma. Podia ter sido de outro modo, nessa altura? Pode hoje ser de outro modo? O que fizeram esses meninos rabinos, ou os pais deles, para o evitar, para manter forte aquilo que sentem ameaçado, seja lá o que for?
Mas, sobretudo: é um mal? O que é que está em risco: a "cristandade", hoje cada vez mais definida como sendo o conjunto daqueles que não vão à igreja? A "raça", essa coisa cuja pureza não existe em lado nenhum? A "cultura" e a "civilização"? Saberão eles de onde vem a suástica que trazem ao pescoço ou tatuam nas partes? Ou de onde lhes vem o ritmo que é a base das músicas que ouvem? Já nem falo da Marcha Turca de Mozart, esse expoente da cultura europeia que esses capatazes filhos de capataz nem devem saber quem é.
As palavras-chave são "estupidez" e "ignorância." E seriam ridículos se não fossem tão perigosos.