Chico-espertices
A publicidade reflecte o espírito do tempo. Depois da infeliz campanha das "Novas Oportunidades," decorre por aí a campanha de um banco - o BES - em que uma série de criaturas responde a um pedido de empréstimo dizendo coisas espirituosas como "Sou verde? Tenho luzes não sei onde? Tenho não sei quê escrito na testa? Ora vá..." (cito de memória).
Sempre que vejo isto, fico incomodado. A ideia é dizer às pessoas que vão mas é ao tal banco pedir o empréstimo. Tudo bem, os bancos servem para isso. Mas incomoda-me que se celebre assim o egoísmo, a falta de compaixão e de solidariedade, a pequenina prepotência sobre quem precisa, a ironia agreste sobre alguém que, em princípio, não pede dinheiro emprestado por estar bem na vida. Aquelas personagens consagram a imagem do chico-esperto, do pequenino-burguês fechado na sua conchinha, do "não me incomodes que eu quero é o meu e tu vai-te mas é lixar."
Como é costume, hoje que a televisão comanda e nivela o pensamento, o discurso e as imagens, já comecei a ouvir, aqui e ali, gente a papaguear estas frases, por brincadeira. Mas aposto que, nas pequenas histórias de cada um, já há pessoas que as ouvem a propósito das suas necessidades reais.
Longe de mim achar que esta campanha devia ser suspensa, proibida, ou coisa do género. Apenas acho que é infeliz. A mim, estes anúncios dão-me uma ideia péssima da instituição que as faz: uma instituição que, pelos vistos, vive à custa do salve-se-quem-puder social.
Não sei se mais alguém sente isto, ou se é parvoíce ou picuinhice minha. Se for, quero lá saber. A verdade é que aqueles anúncios me deprimem.
Já agora, também me irritam aqueles anúncios na rádio em que um locutor lê a velocidade supersónica aquelas informações legais sobre o produto. Não se percebe obviamente nada, mas a lei é cumprida. É, de novo, a chico-espertice em todo o seu esplendor.
3 comentários:
Já somos dois a pensar o mesmo.
É um facto, estes senhores dos bancos e, sobretudo, a publicidade do BES, que já não é a primeira vez que faz anúncios deste género, são óptimos a explorar o que há de pior no ser humano. E o grave é que o fazem de uma forma, não direi súbtil, porque não o é, mas pelo menos, com uma legitimidade celebrada pelo individualismo que prevalece nos dias de hoje. Utilizando uma ironia grosseira, recheada de perguntas retóricas que têm, supostamente, graça.
Ironia fácil e brejeira, que justifica este "modus vivendi", que já ninguém questiona.
eu vou avisando desde já que não tenho dinheiro para emprestar! só por causa das coisas....:)
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